História Postal de Moçambique

Os Carimbos de Dupla Oval da Zambézia


Luís Frazão

Publicado no "Jornal de Filatelia". Ano IX - Janeiro de 1999 - Nº 52  

De entre todas as Províncias de Moçambique, a Zambézia sempre exerceu um fascínio muito especial no espírito dos portugueses, a que originariamente não deve ter sido estranho o ouro do Monomotapa. E como que a manter bem viva essa tradição, aparece nos finais do século passado umas curiosas marcas postais, únicas do seu tipo em Moçambique, e justamente em duas localidades da Zambézia. É o estudo destas marcas, assim como o seu "não enquadramento" no universo marcofilista de Moçambique, que vamos tratar neste apontamento.

Desde o início dos serviços do Correio na província de Moçambique, que apareceram marcas postais mudas para a inutilização das estampilhas, a que se seguiu pouco depois outras, com o nome da terra e data completa, e que eram usadas em conjunto ou em substituição das primeiras na inutilização dos selos. E dada a uniformidade das primeiras (mudas), assim como a um mesmo tipo das segundas, parece-nos estarmos perante um envio de carimbos do Governo Central a cada uma das estações postais que ao tempo estavam a funcionar (ver figura 1).

Figura - 1

E é logo aqui, nos primórdios da organização postal em Moçambique, que a Zambézia começa a distinguir-se das restantes províncias. Senão vejamos:

Para além das marcas mudas a que já nos referimos, e de que até este momento se conhecem somente um tipo -4 barras paralelas (1), sabendo-se que foi utilizado em toda a província (são conhecidas peças circuladas com o carimbo mudo de 4 barras a inutilizar os selos, em Moçambique, Lourenço Marques, Ibo e Quelimane) aparece um segundo tipo, que não identifica o nome da terra mas que tem data completa, tal como vem representado na figura 2. e que conhecemos desde Junho de 1888 e até 1903.

Figura - 2

Embora não seja conhecido em documento inteiro que permita identificar sem ambiguidade a sua origem, o facto de aparecer somente a inutilizar selos da Zambézia, das emissões de D. Carlos (de Diogo Neto e Mouchon), faz-nos pensar que efectivamente possa ter sido aqui utilizado, sem neste momento podermos avançar mais na sua localização.

Feito este preâmbulo regressemos ao tema destas linhas, começando por apresentar um inteiro postal, datado da "Missão de S. Pedro Clavez em Merura, 17 de Junho de 1899", e onde nos aparece batido na frente a marca de dupla oval - Correio do Zumbo - e que é a primeira das marcas a que nos vamos referir. É dirigido a Lisboa, tendo ainda a marca de trânsito de Quelimane de 19 de Julho e de chegada a Lisboa a 26 de Agosto (ver figura 3).

Figura - 3

Este carimbo que nos faz de imediato pensar no que foi utilizado na metrópole a partir do 2º semestre de 1878 (2) é no entanto inédito em Moçambique (com a excepção da bem conhecida marca de dupla oval, de dimensões maiores, e que foi utilizada em Lourenço Marques, (ver figura 4).

Figura - 4

Esta marca do Zumbo temo-la arrolada desde 18 de Junho de 1899 até 15 de Abril de 1905, pedindo desde já aos leitores para que nos ajudem a alargar o quadro do tempo da sua utilização.

Para o leitor menos familiarizado coma localização do Zumbo, assim como do curso do Zambéze, reproduzimos parte do mapa da Provincia de Moçambique, assinalando as localidades que são referidas neste trabalho (ver figura 5). A distância de Zumbo a Quelimane é da ordem de 750 quilómetros, rio abaixo, o que permite compreender o tempo necessário para que o inteiro da figura 3 chegasse a Quelimane.

Figura - 5

E em relação a esta marca teríamos ficado por aqui, não fora a feliz descoberta de uma carta que de seguida apresentamos na figura 6.

Entregue no Correio do Zumbo, foi aí devidamente marcada, como duplo círculo a azul, de data infelizmente ilegível, e por certamente não dispor o correio de selos foi manuscrito a vermelho por cima da marca do dia "Pagou... da carta", e que embora tapado pelo selo cremos tratar-se de "Pagou o porte da carta", prova de que o correio do Zumbo recebeu a verba devida, e fez seguir a carta para o seu destino atravês do correio de Tête. Aí, ao ser recebida foi marcada com a marca de Tête de 11 de Dezembro de 1901, e verificada a falta de estampilha e provado que o pagamento já tinha sido feito no Zumbo, aplicaram um selo de 50 Réis, e foi este inutilizado com a mesma marca datada, mas dois dias depois da primeira, transitou pelo Chinde onde chegou a 31 de Dezembro de 1901, tendo aí sido porteada por o valor da franquia para a Europa ser de 65 Réis (3) e não do 50 com que vinha franqueada. Passou ainda por Moçambique, a 7 de Janeiro de 1902, e chegado ao seu destino a 7 de Fevereiro, não sem que o destinatário tivesse que pagar 1 1/2 (um shiling e meio) de porteado.

Figura - 6

Abrimos aqui um parênteses para recordar que por falta de selos em Quelimane, se conhece um fragmento, que teria sido colado numa carta e que se mostra na figura 7 abaixo, e que já foi objecto de um artigo do nosso confrade e amigo Carlos Kulberg (4).

Figura - 7

Era este o estado dos nossos conhecimentos sobre as marcas de dupla oval de Moçambique, quando recentemente num leilão foi à praça um inteiro, que apresenta uma outra destas tão apetecidas marcas, e que não resistimos a tentação de incluir na nossa colecção de marcofilia de Moçambique.

Trata-se de um inteiro de 10 Réis tipo "Mouchon" de Moçambique, dirigido à Alemanha, escrito em Chiota (?) a 10 de Janeiro de 1907, tendo ainda nesse mesmo dia dado entrada no correio pois que tem a marca "Correio Macanga" (5) do mesmo tipo da marca do Zumbo. Apresenta ainda trânsito por Tête a 26 de Janeiro e chegada à Alemanha a 4 de Março. Quanto à leitura da marca, que poderia ser também de Maganga, foi o assunto esclarecido pela consulta ao "Diccionário Chorográfico da Província de Moçambique" onde sob Macanga encontramos:

"Povoação importante em terras do mesmo nome ao sair do desfiladeiro que corre entre as montanhas do Domue e Churu, e onde nasce o Rio Rovué. Nas terras próximas situadas 100 quilómetros ao N.E da vila de Tête, encontra-se ouro; distrito de Tête".

Figura - 8

Não fomos bem sucedidos em encontrar a sua localização num mapa contemporâneo, pelo que nos limitamos a indicar as terras de Macanga, assim como a nascente do Rio Rovue. Também não se encontra referência alguma a esta terra e muito menos ao seu Correio no trabalho de John Kross Muelimane and Tête", publicado em números sucessivos do Boletim da P.P.S. (6) e onde é feito referência aos Boletins dos Correios de Moçambique para a enumeração dos postos do correio existentes.

Temos assim, que para além de uma marca de um tipo inédito, corresponde a um correio e a uma localidade que não nos aparecem nos documentos oficiais de Moçambique.

Poderíamos terminar por aqui, não fosse a vontade de ver esclarecidos alguns pontos relativos à história postal de Moçambique, pelo que ainda vamos tratar ainda que brevemente de dois outros pontos.

1 - Inteiro de 10 Réis (usado na Zambézia) para Portugal, e porteado.

Apresenta-se o inteiro postal na figura 9, datado de Mopea 26 de Setembro de 1898, dirigido à mesmo morada que o da figura 3, e que era a casa dos Jesuítas de Lisboa, e que nos aparece porteado em 20 Réis, ou seja pelo dobro do valor do selo em falta, e que neste caso seria de 10 Réis. Acontece que o porte de um inteiro postal dentro do mundo Português era de 10 Réis pelo que se não vê razão para esta penalização.

Figura - 9

Curiosamente conhece-se um outro inteiro, para o mesmo destinatário, e também expedido de Mopea, mas onde foi utilizado um inteiro de 20 réis, claramente sobrefranqueado (ver figura 10).

Figura - 10

Terá havido alguma razão específica para este tratamento? Aqui fica a pergunta aos leitores à espera de resposta.

2 - Selos da Companhia de Moçambique usados na Zambézia.

Em relação às duas cartas que se apresentam abaixo, e que fazem parte da mesma correspondência, foram expedidas ou passaram pelo Correio de Conceição com um mês de intervalo.

A primeira, que vem franqueada com um par do selo de 25 réis da série elefantes da Companhia de Moçambique para perfazer o porte de 50 réis para Europa, foi certamente lançada no correio de Conceição que lhe aplicou a marca do dia e a marca de porteado, dado que os selos da Companhia de Moçambique, não tinham validade na Zambézia. Tal não foi o entendimento do Correio de Lourenço Marques, por onde a carta transitou no seu caminho para Inglaterra, que além de anular a marca de porteado, inutilizou os selos com a marca muda circular de 9 barras, até este momento desconhecida na literatura filatélica e que pensamos poder atribuir a Lourenço Marques (ver figura 11). Já a carta seguinte, de porte duplo, foi regularmente franqueada com um selo de 100 Réis da Zambézia, e o selo inutilizado pelo carimbo de Conceição(ver figura 12).

Figura - 11

 

Figura - 12

Dada a localização de Conceição, no braço direito do delta do Zambeze, e junto às ilhotas de Tangalane do Luabo (ver o mapa da figura 5), mesmo em frente ao território da Companhia de Moçambique, fácil será de compreender que um particular, ainda por cima estrangeiro possa ter utilizado selos da Companhia de Moçambique para franquear a sua carta, desconhecendo a sua invalidade fora do território da Companhia; já mais difícil é compreender a razão pela qual o porteado, aplicado na conformidade dos regulamentos, foi "desculpado" pela administração central em Lourenço Marques.

Quem ajuda a esclarecer?

 

Lisboa, dia do selo de 1998.

 

(1) Parece existir mais de uma variedade desta marca postal.

(2) A. Guedes de Magalhães. Carimbos de data completa do Correio de Portugal.

(3) Desde 1 de Julho de 1898.

(4) C. Kulberg.

(5) É conhecido um selo com o mesmo carimbo datado de 13 de maio de 1910.

(6) J. Cross P.P.S Bulletins # 102/103/104 (1988).